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#Música|Michel Schettert|26 Abr 2021

DJ Sérgio Ricardo

Muitos conhecem a qualidade musical de Sérgio Ricardo pelos arranjos e acordes diferenciados que o consagraram como compositor na música popular brasileira. Mas o que muitos não sabem é que este respeitável músico começou a carreira profissional como DJ. Como assim? Aos 17 anos, já com habilidades notáveis no piano, Sérgio Ricardo saiu de Marília-SP em busca de novos desafios os quais sua cidade natal não poderia lhe proporcionar. Seu tio Salim prometeu então levar ao Rio de Janeiro o primeiro sobrinho que terminasse o colégio. Sérgio, como primogênito, concluiu os estudos antes dos irmãos, mas não foi exatamente para a cidade maravilhosa que ele foi levado pelo tio. Antes disso, seu destino lhe reservara uma parada em São Vicente-SP, simpática cidade no litoral paulista, onde seria recebido pelo tio Paulo, que lhe daria abrigo durante o tempo suficiente, até que o tio Salim se arranjasse com a hospedagem na capital carioca. Ali na praia paulista, Sérgio Ricardo começou a trabalhar para a Rádio Cultura São Vicente, que era administrada pelos tios. Eles ofereceram ao sobrinho aquela famosa vaga de faz-tudo, deixando em suas mãos inclusive a tarefa de desligar o transmissor da estação ao final do dia. "Tínhamos que ir até o parque Bitaru, em longínquo terreno baldio, para desligar o transmissor em meio à escuridão da madrugada" - relata Sérgio Ricardo em sua autobiografia Quem Quebrou Meu Violão.

Durante o aprendizado na rádio, Sérgio redigia textos, fazia locuções e aprendia todas as artimanhas técnicas para operar o sistema de som. Havia dias em que a rádio ficava inteiramente nas suas mãos e sua criatividade se aplicava a criar anúncios, atender telefonemas, escolher o repertório e ainda correr os 5 metros que separavam o microfone da cabine de som. 

"Duro era encarar o programa operístico tarde da noite. Numa dessas acordei com meu tio me cutucando na cadeira. Ele saíra de sua casa para me tirar daquele cochilo que havia deixado a agulha girando sozinha".

Sérgio logo começou a discotecar. A coleção de vinis da rádio permitiu que ele estudasse intensivamente a história da música, variando entre clássicos e populares, tanto estrangeiros como nacionais. Sua programação - hoje chamamos de playlist - possuía músicas compostas por nomes já consagrados da Rádio Nacional (sediada no Rio de Janeiro), como Ary Barroso, Garoto, Radamés Gnatalli, Altamiro Carrilho, Dorival Caymmi, Donga, etc. Cantores prestigiados também se faziam presentes pelas escolhas de Sérgio: Carlos Galhardo, Orlando Silva, Francisco Alves, Dircinha e Linda Batista, Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira, Dick Farney, Lúcio Alves, Cyro Monteiro e tantos outros que brilharam na época de ouro dos anos 1940.

Abaixo, selecionamos uma série de músicas do repertório radiofônico de Sérgio Ricardo, para você sentir quais eram os timbres daqueles tempos, com direito ao ruído típico das gravações analógicas. A playlist está no Spotify e se chama SR1940. Siga no link: https://open.spotify.com/playlist/36lRPClH7EnljUbYjXPhrO?si=V8PfzwtHTre0IXVb0WQKWg

Merecem destaque as vozes femininas de Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida e a dupla Dirce e Linda Batista, pois naquela época não era nada fácil ser mulher e assumir uma carreira artística sem sofrer preconceito.

 

 

Dalva de Oliveira

Revista O Cruzeiro, Ano 1943, Edição 5

Dalva de Oliveira (1917-1972) foi uma estrela descendente de portugueses, nascida numa família humilde de Rio Claro-SP. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, em busca da carreira artística, conheceu no cinema o futuro namorado, o cantor Herivelto Martins. Em 1936, ela causou um "escândalo" familiar por ter saído de casa para ir morar com o músico, que ainda era "oficialmente" casado. Embora fosse católica, um ano depois, Dalva aceitou se casar com Herivelto nos termos da religião dele, a Umbanda. Em 1951, Dalva seria eleita Rainha do Rádio, prêmio que traria o tão sonhado prestígio para aquela sua voz cuja extensão passava do contralto ao soprano sem falha alguma. Ao lado da dupla Preto e Branco formou o Trio de Ouro, com quem fez sua primeira gravação em 1937, a marcha "Ceci e Peri"(1), inspirada nos personagens do romance O Guarani, de José de Alencar.

 

 

Aracy de Almeida

Revista O Cruzeiro, 1957, Ed. 33

Conhecida como O Samba em Pessoa, Aracy de Almeida (1914-1988) era outra mulher que construía pontes ao invés de muros. Cantava regularmente na Igreja Batista, mas mesmo sem a aprovação da família, também soltava a voz em terreiros de Candomblé, e no bloco de carnaval Somos de Pouco Falar. Gravou pela primeira vez em 1934, um 78rpm contendo a canção “Riso de Criança”, de Noel Rosa. Aracy foi a maior intérprete do compositor e uma de suas gravações de sucesso, "Três Apitos", que trata da rotina na fábrica de tecidos, recentemente fez parte da trilha sonora do filme "Deslembro" (Flavia Castro, 2018). Algumas experiências diante das câmeras também marcaram a carreira de Aracy, com destaque para a famosa chanchada "Carnaval em Lá Maior" (Adhemar Gonzaga, 1955). Aracy não se casou nem teve filhos. Sua maior paixão era definitivamente a música e aprova de sua consagração está no título de cantora que mais gravou sambas nos anos 1930, ao lado de Carmen Miranda.

 As irmãs Dirce e Linda Batista tinham 3 anos de diferença. Nasceram no seio de uma família de artistas - mãe cantora, pai ventríloquo. Começaram a carreira ainda crianças trabalhando em programas de rádio e chanchadas. No filme “Alô Alô Carnaval” (Cinédia, 1936) é possível assistir a performance das duas cantando marchas de João de Barro e Alberto Ribeiro. A canção "Nunca" foi responsável por levar o compositor Lupicínio Rodrigues a ficar conhecido nacionalmente. A presença das irmãs Batista era muito comum no Palácio do Catete, durante as festas do então presidente Getúlio Vargas. Com o respeito conquistado, Dircinha e Linda conseguiram repercutir entre o público feminino algumas canções irônicas ao comportamento da época, como é o caso de "Ela foi Fundada"(2), que alfineta o modo madame de ser.

As talentosas cantoras descritas acima ficaram famosas na época de ouro da música brasileira, uma era analógica em que o talento vocal era fundamental para se ter sucesso na música. Embora gravassem apenas canções criadas por compositores homens, suas vozes conseguiram se sobressair através das gravações que tocavam no rádio. Com o advento da televisão e o passar do tempo, as cantoras foram ficando esquecidas pela mídia, mas vem sendo retomadas pelos pesquisadores interessados na memória viva da cultura nacional.

 

 

Revista O Cruzeiro, Ano 1935, Ed. 21 - Dirce Batista, fã de Greta Garbo.

 

Viva o DJ Sérgio Ricardo!

 

Reprodução do YouTube

(1) “Ceci e Peri” (Carlos Gomes / Príncipe Pretinho)

 

(2) “Ela Foi Fundada” (Otolindo Lopes / Oldemar Magalhães / Arnô Provenzano)

 

Referências Bibliográficas:

Biblioteca Nacional

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

IMMuB

Livro "Quem Quebrou Meu Violão"

Revista O Cruzeiro

Wikipédia

 

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Michel Schettert é autônomo e trabalha com análises rítmicas em artes fotocoreocinematográficas. Pesquisa o processo criativo no cinema.


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