Um homem de muitos talentos. Uma forma simples e objetiva de definir João Lutfi, ou melhor, Sérgio Ricardo, como é conhecido artisticamente. Por ironia do destino ou não e também por 2020 ser um ano triste, Sérgio faleceu cinco dias após completar 88 anos em junho.
Provavelmente os imigrantes sírios, Abdalla Lutfi e Maria Mansur Lutfi, não imaginavam que o primeiro filho nascido em 18 de junho de 1932 na cidade de Marília, em São Paulo, se tonaria um músico, cantor, compositor, ator, apresentador, roteirista, diretor e ativista importante na história cultural brasileira.
A trajetória de Sérgio com a arte começou aos 8 anos quando ingressou no Conservatório de Música de Marília para estudar piano e teoria musical e, desde então, não parou mais, trabalhou como pianista em boates, compôs para outros artistas, atuou, lançou discos, entrou no universo do cinema, morou fora do país e em 1967 realizou um dos feitos mais lembrados de sua história.
Conhecido por falar abertamente contra a Ditadura Militar, durante a terceira edição do Festival de Música Popular Brasileira, Sérgio quebrou seu violão e o atirou sobre a plateia após ser vaiado pelo público. O cantor levou para o evento “Beto bom de bola”, música com crítica política mais sutil. A letra é sobre um jogador de futebol que alcança a glória, mas é esquecido.
O episódio passa e apesar de continuar sendo uma lembrança recorrente em sua carreira, Sérgio continua sua trajetória pela arte com vários projetos e em 1975, é convidado a fazer um filme sobre “Zelão” - personagem de sua música de maior sucesso e que leva o mesmo nome.
Ele então, compra um apartamento no Morro do Vidigal, onde monta um atelier, além de um barraco na favela e realiza um de seus feitos mais admiráveis, em minha opinião.
Apesar de certa familiaridade com o universo das favelas por conta de seus dois primeiros filmes, sua intenção era conviver com os moradores do local para captar a credibilidade da história que faria, mas acaba se envolvendo na luta dos moradores do local contra a remoção da favela.
Ajudado por um amigo, consegue envolver o advogado Sobral Pinto na luta. Ele defende a causa gratuitamente e tem sucesso nos tribunais. Os ‘favelados’ conseguem posse dos terrenos e começam a reconstruir suas casas após tentativa fracassada do governo de desocupar o local.
Sérgio ainda organiza um show como forma de arrecadar fundos para reerguer as casas dos moradores do Vidigal e convoca para o espetáculo realizado na concha acústica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) nomes como Chico Buarque e Gonzaguinha.
Uma atitude admirável de um homem visto como “classe A”, digamos assim e que em plena Ditadura Militar não teve medo de se impor e ajudar os “favelados” a terem direito a uma casa.
“Mas é assim mesmo Zelão, dizia sempre a sorrir que um pobre ajuda outro pobre até melhorar”, a frase da música “Zelão” traz uma bela mensagem de solidariedade que o próprio Sérgio mostrou com essa atitude.
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Larissa Vilarinho tem 22 anos e é formanda de jornalismo pela Universidade Veiga de Almeida, campus Cabo Frio (RJ). É apaixonada por boas histórias e gosta de dar o seu olhar para todas aquelas que tem a oportunidade de contar. Atualmente trabalha como assessora de imprensa em uma editora de livros infantis. Nas horas vagas, gosta de ler e assistir filmes e séries.